quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

La jóvene

(Patrick desenha bem pra caramba)

Ainda no segundo grau, a jovem não havia se decidido o que fazer de sua vida. Não sabia se dedicava sua vida à área escolar dando aulas para uma gurizada desinteressada - igual aos colegas que não calavam a boca um minuto quando ela queria ouvir o que a professora dizia sobre a semana de arte moderna; ou à área hospitalar zelando a recuperação de crianças com seus machucados geralmente causados por suas traquinagens da idade. Ela não sabia o que decidir. Cada joelho esfolado representava esperança na humanidade. Assim como, cada observação pertinente do tipo: - aquilo ali no quadro é um ‘S’ ou um ‘8’? Sempre seguida de uma resposta cheia de orgulho por ajudar. O conhecimento e o zelo físico. Alguma coisa ela devia transmitir, essa era sua única certeza, tão jovem.

A jovem estudou, estudou, estudou. Armazenou a quantidade suficiente de conhecimento para entrar na faculdade e conseguiu. Não na instituição federal como queria, mas, na privada, ela decidiu estudar as letras da sua língua materna, embora sonhasse com a espanhola, a francesa, a italiana, enfim, todas essas filhinhas da já velha e arcaica língua Itálica. O Latim, pai de todas estas. Sonhava com o Latim.

Seu mergulho na sopa de letrinhas estava um tanto tedioso. Sentia que debater comportamento de uma personagem de um livro parecia ser a mesma coisa que fofocar sobre as saídas noturnas e secretas da vizinha do 302. O que ela tinha a ver com isso?! Que diferença há nas descrições realistas, se havia uma ou duas cadeiras no canto da sala, se o sol entrava por um ângulo de 45 graus. Isso é fofoca. Fofoca vinda do pai da literatura russa. Mas não importa! A jovem sentia que pode usar melhor seu talento oratório e desenvolvimento intrínseco qualitativo.

A jovem começava a repensar numa possível mudança de planos. Por que não um hospital? Através de um amiguinho historiador, conseguiu visitar uma faculdade e conheceu o laboratório de anatomia dela. Corpos, corpos e corpos. Uns sequinhos, outros despedaçados, outros inteiros. A causa mortis variava como as cores de Matisse. A textura da carne era igual àquela que seu pai assava aos domingos. O cheiro de carne crua era um absurdo de parecido com à que ficava escorrendo sangue na pia. Havia alguns órgãos avulsos também sobre as mesas. Até cérebros em baldes, como se fossem panos de pratos de molho na clorofina, estavam por lá. O mais assombroso foi ver aquela gente sem vida lado a lado nas prateleiras. Saber que os corpos estavam lá, tão reais, mas a vida não. Um segundo e a luz se apaga. Tão frágil.

Gente com Aids, gente com peste, gente mutilada e SEGURA, SEGURA, TEM ALGO CAINDO LÁ! Ela lá nem sabia o que era, mas sabia que era um pedaço de alguém que tinha caído enquanto subia as prateleiras do pessoal enfileirado. Tadinha, uma velhinha. A jovem viu uma velhinha. Não completava um dia que ela estava lá. Ontem mesmo se punha sentada na rua da praia, fitava o Guaíba de forma estranha, o vento era o silêncio que a separava das outras pessoas. Havia ela e o rio. E ela sentiu-se bem.

Os bebezinhos estavam durinhos e branquinhos do formol. Nossa, o formol queimava os olhos da jovem. Ardiam mais do que cebola. A vida acabada antes mesmo de começar; ardia o peito da jovem. A imagem daqueles bebês crescendo, correndo com os amiguinhos, indo para escola, para a faculdade, para as festas, para o trabalho, viajar para Portugal com a namorada e rindo felizes cheios de vida. De vida. Toda baboseira que nunca irá acontecer. Não com estes pobres anjos, brancos como as nuvens. Tão puros e intocados como tais.

Saindo do freezer humano, a jovem pôs-se a refletir. Vidas. Trabalhar com vidas. Auxiliando no físico das gentes. Do corpo. Ações repetitivas. Curativos, linhas, agulhas, ataduras, algodão, gazes. RÁPIDO, RÁPIDO, ABRA CAMINHO, ELE TOMOU UM TIRO! Nem sempre a vida pede cuidados tão nobres. A maior parte envolve limpar bunda de velhos, examinar o colo uterino, desintoxicar o tio de alguém, essas coisas.

Mal sabe a jovem o stress que sofrem os homens de branco. O telefone toca, as 02:37 AM:
- Er...alô?
- Alô, Dr. Roubert?
- Sim, é ele...
- Temos uma emergência aqui, e o médico de plantão não foi localizado, o senhor é o próximo da lista...
- Claro, estou indo.

Este “Claro, estou indo” às 02:37 AM tem que ser muito bem pensado antes de acontecer. O Dr. Roubert deve levantar da cama com um brilho sanguinário nos olhos, tem que ser uma fera indo salvar seu filhote e não ir bufando até o carro, blasfemando aos quatro cantos de como é ruim ser acordado no meio da madrugada por algum filho da puta que deve ter bebido demais e batido com o carro do papaizinho, porque queria se mostrar grandinho para seus amiguinhos. Não, Dr. Roubert tem que ser sanguinário no olhar. Tem que querer salvar esse bosta mais do que tudo. E amanha acordar as 05:00 AM pra começar tudo de novo.

Quanto a jovem, queria trabalhar com as idéias. Com o conhecimento. Apostar no ser humano para que ele produza e repercuta o conhecimento, a ciência, a arte, a folia, a alegria. A jovem quer trabalhar com as línguas. Ensiná-las para o que o homem, integre os conhecimentos de outros lugares para o nosso lugar. Ela quer ajudar o ser humano a ser humano. Sacam?

3 comentários:

the beaty and the beer disse...

Ket diz: certo. sai arroz até pelo nariz.

Sim, Trick. Somos peritos em vômitos.

Folhasolta disse...

ainda voto no vômito do sagu como o pior.

the beaty and the beer disse...

Não, arroz é insuperável. Sempre tem um que permanece nas narinas.