sábado, 19 de abril de 2008

CÉREBROS DESCARTÁVEIS E REFLEXOS

CÉREBROS DESCARTÁVEIS E REFLEXOS ( título provisório)


Bonne nuit.

Há um círculo ilusório que reveste o homem contemporâneo. De raio assaz numeroso para manter a distância de seus convizinhos, do meio habitual, dos meios alcançáveis, de uma consciência superior ou inferior, qualquer tentativa de toque, aproximação é abominada naturalmente pelo círculo. O homem está condenado, mais uma vez, a viver no completo vazio, mesmo que por inúmeras vezes a proximidade iluda os olhos e a mente, simulando contantos de qualquer espécie.Dentro de seu círculo, o homem tem apenas o chão, não possui a si próprio porque não faz possuir, a avidez humana está naquilo que não pode tomar, pelo fato de não poder ser tomado. O que resta para o homem é o chão. Vazio.O chão absorve a evolução do homem. O chão vazio é o reflexo do homem. Quando este andá só, no meio da noite, ao ver sua sombra, não vê outro se não a si mesmo, um reflexo. O chão espelho. Vazio. O homem refletido no fosco pedaço de universo ao qual é confinado desde o nascer. O homem vazio como o universo. O chão.O homem que vive a jactar-se de seus sentidos, vendo erroneamente uma superioridade vã, trai seu espírito no mais profundo e no mais raso deste. O ver traz a cegueira. O ato puro e simples de enxergar fecha os olhos mentais do homem. O tato torna o homem insensível, e ter sempre tocado durante toda sua vida, o homem se torna incapaz de sentir com o corpo, não é preciso dizer que com a mente tampouco.O ouvir, cheirar, equilibrar-se, só servem de atrativos usados pelo chão para manter o homem perambulando por sobre si. Uma existência medíocre precisa de uma existência mais medíocre para sustentar-lhe, e a lista de mediocridades segue. Usurpam-se. As unidades intrinsecas de universo usarpam-se, pois não sobrevivem sem que toda matéria seja uma, e todo o uno seja medíocre por natureza.É com esta série de sentidos deploráveis que o homem continua na crosta da existência, usurpando e sendo usurpado. Não que seja natural do homem a mentira, o desvio, a prepotância, mas seus sentidos não foram feitos para ele. Fazem parte dos planos contraditórios de outras peças da existência, nos dias atuais mal podemos compreender que peças são essas. Quem usurpa quem. Estamos presos.Presos em sentidos que não possuem verdade alguma para o espírito, sentidos-chão, sentidos-usurpadores.Com dados mal levantados o homem acaba por tirar conclusões insensatas. É aquele que não sabe onde se encontra por não ter como fazê-lo. Usufrui de uma falsa prerrogativa, está condicionado ao vazio, ao círculo ilusório que o separa do uno, mas é usado como alimento base pra que tudo continue fuindo sabe-se lá por vontade do quê. O que resta é refletir no fosco, esperar que a Teoria das Espécies se aplique ao espirito humano e não ao corpo animal, cujos resultados vemos desfalecer ao chão dia após dia.

Bonne nuit.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

As Férias da Beauty

Nosso hiato tem uma explicação lógica
A integrante principal deste blog foi enviada para Santa Catarina competir em uma espécie de Garota Verão Psycho 2008, um grande evento que todos vão ouvir falar dentre em breve.

Aqui vão nossas sinceras esperanças de medalhas para nossa competidora!

Vai dude, vai!!!





( pausa para risos )




Quando ela retornar, os novos textos serão muito bem recebidos, juntamente com suas novas crises de criatividade infanto-juvenil.

E o velho, claro, fica aguardando, fazendo o roteiro do mais novo curta de animação gaúcha:

A Lenda do Isqueiro Maldito

Em todo o caso, voltaremos com a corda toda. Seja no textual como no Audivisual.






He is just a poor boy, nobody loves him
He is just a poor boy from a poor family

...


( momento esquecimento total da letra em questão )

...


( acho que um bom gole do meu amigo natu nobilis, on the rocks, fará bem )


...


( ah, lembrei! )


...


mas ah! esqueçam.

o velho só não tem muito o que fazer enquanto a jovem está fora :)

sábado, 19 de janeiro de 2008

O Amarelo que Distorce ( Em uma Manhã Domingo-Quarta)


O COMEÇO.

O primeiro cuspe ao chão fora às sete horas, não nas artérias principais, ainda sem movimento, mas nas ruas secundárias, onde tudo começa mais cedo nessa época do ano.
As portas dos bares sobem, os panos limpam mesas, o pão cheira a rua toda. Amanhece em Porto Alegre.
Junto dela, está o homem do séc XXI, o precursor do super-homem de Nietzsche, ao chão, uma mancha negra na paisagem. Chega a confundir-se com tudo aquilo que resta de inumano nas beiras de estradas mortas.
Cá estou eu, o câncer, o mosquito, a camisinha na vida do cidadão de bem.
Escureço seus olhos, então vos fecham! O som de minha voz é rouco, agudo, irritante, portanto não dê ouvidos. Meu gosto é ruim, sou fibra pura. Meu gosto é ruim. Engasgaria e morreria comigo em tua goela, ó homem de bem! Por isso não me engulas! Não me tolere. Não me mates, me ignore. Exatamente isso, me ignore.
- Deveria escrever o que penso, digo em voz alta, enquanto ergo as calças encardidas e saio do chão-cama. Nunca sem atrair olhares. Por que não deixam os homens gênios como eu em paz! Confundem minha presença com a de mendigos. Há uma diferença gritante em nossas existências.
- É PORQUE EU TÔ CAGADO, NÃO É SEUS SAFADOS?!
O homem de bem que passa, baixa a cabeça e a torce, em sinal de pena. Pobre velho! Pensa ele, como terá se tornado esta aberração.
A garçonete limpa as mesas com um pano em que nem eu secaria as mãos e lembra-se do pai. Reza todas as noites para que o pai pare de beber e bater nela, na mãe e nas irmãs. Acho que Deus não lavou bem as orelhas, caso contrário, seu terceiro aborto não precisaria ter ocorrido. Ou Ele está muito ocupado jogando canastra com os Santos. Há um homem destes em mim, ela pensa.
Consigo sentir o olhar dela, vê em mim o pai estrupador, a repulsa, ela sente ódio de alguém que nem conhece, mas tem o mal encravado nas costas.
- Não sou como tua vendeta, garota!!, grito do outro lado da calçada.
Ela enfia a cabeça nos ombros e some em meio à escuridão do bar. Sabia, não suportaria um debate comigo. Aposto que mal sabe falar, expressar-se, nem pensar. Deve ser daquelas que deita e abre as pernas, com olhos tristes e sem vida, esperando o cão raivoso em cima dela acalmar-se, para que possa virar, dormir, descansar nem que seja um pouco e, no dia seguinte, trabalhar como uma escrava começando tudo de novo. Como sempre tem sido. Todos os dias.
- Não te culpo pobre menina! Culpo o safado que te fez mal e destruiu teus olhos!, grito me afastando cada vez mais. De longe dava pra ver a opacidade de seus olhos. Não deveria gritar tanto, estava me tornando patológico.
Em outros tempos haveria de me preocupar, mas não hoje. Não havia sinal de policial algum, ou machões desses que adoram fazer-se de heróis às custas dos pobres, cânceres sociais como eu.
- PUTA MERDA, já to me sentindo um deles!,torno a gritar. Dessa vez, sinto que fui longe. Calo-me e sigo na direção do rio.
Gostava muito rio e de tudo à sua volta, principalmente, a ausência de outras pessoas. Ficavam horas em meio à calmaria e à sujeira, ossos de animais, cabeças de bonecas, chuveiros, velas, pipocas, garrafas, braços. Uma vez até um pequeno cabrito. Era um lugar místico, surreal. Podia tocar a água como uma lâmina em um projetor, distorcendo a cidade a minha volta. Fazia pensar muito em antigos quadros que fazia, onde o sol amarelo escuro tornava Porto Alegre amanteigada e tenra. Sempre as custas do Guaíba.
- Devia voltar a pintar.
- E por quê não volta?
Dou um pulo, escorrego por entre as pedras úmidas e cortantes da beira, de nada adiantam meus anos de convivência naquele lugar, um susto sempre tira nosso chão.
Ofegando meio corpo dentro e meio fora da água fétida, tento imaginar de onde viria a voz. Não acreditava em schizofrenia e nunca mais fora adepto dos sistemas extracorpóreos. Atrás de uma árvore miúda, de galhos escuros, porém com muitas folhas, surge uma mulher. Vestia corsário, moletom largo, de cabelos compridos e muito pretos. Não dava pra ver se eram lisos ou cacheados, tinham o aspecto de sujeira de dias. Na certa uma usuária de algum tipo de droga pesada, pra estar ali, do jeito que estava. Mas era só olhar pra mim e ver que esta podia ser até a rainha da Inglaterra no momento.
- Você era pintor?, pergunta a garota, apoiando um dos braços na delgada árvore, inclinando todo o corpo, como se ainda estivesse 'curtindo uma viajem'
- Era. Você me deu um susto danado garota.
- Há, há, há! Como pode um pintor ver tão mal uma mulher a sua frente?
- Não vejo onde uma mulher esconde-se atrás de arvores e rodopia nela. É uma garota, no máximo te daria 27.
- Ah, obrigada, você é muito gentil...
- Hoje é quarta-feira.
Hoje era domingo, mas nenhum dos dois parecia se importar.
- O que faz aqui, por acaso pediu minha permissão para andar em minhas terras?, perguntei para ela.
Ela rodopiava nos galhos da arvore, olhava a água, e como olhava! Seus olhos brilhavam mais que o reflexo do sol, que começava a ficar forte. Nunca me olhava nos olhos. E era melhor assim.
- Que águas teriam este brilho se tivessem dono?
- Bom, pelo menos, não se trata de uma fanática.
- Fanática? E por que seria? E por que não seria?
- Pelo amor de deus, nada que me faça pensar a essa hora. Ainda nem bebi.
- São 9 da manhã pintor, seria melhor fazer um retrato de Miss Carolyne Boúchet!, e rodopiava e sorria como uma peça de carrossel.
- Pra ficar rico? Refiro a espalhar meu coco num papelão e imaginar a cara dos safados da bolsa de arte ao vê-lo.
- Xiii, pintor, essa tua birra deve ter arruinado a tua vida...
- O que arruinou a sua?
- A minha está ótima!
Nisso, a mulher, ainda sem nome, pára e se senta.
- Tem um cigarro?
- Tenho.
- E fogo?
- Não, mas já tenho a desculpa perfeita para nos tirar daqui. Minha bunda tá encharcada.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Que luta!

Hey, Dude! Tu devia ter visto a minha última luta hoje! Que luta! O outro cara pesava 89 kilos. Contra os meus 83, ele parecia ter 100! Que luta!
Ele começou atacando, buscando o meu pescoço, mas eu sempre escapava, e buscava o braço dele. A luta começou ao meio dia em ponto. Que luta! O gordo conseguia me estrangular muito fácil, e eu saia do estrangulamento com a mesma facilidade, foi uma luta muito técnica. Que luta!
No início, tínhamos cinco espectadores. Lá pelo meio dia e meio, no meio da luta, aquele lugar já tava cheio! Uns 15 caras gritando e dando palpites! Todos agitados com o que viam. Que luta!
Sangrávamos, Kétrin, sangrávamos mesmo! Mas estávamos adorando aquilo tudo, a luta, o combate, a face do inimigo (que não é inimigo e sim semelhante com mesmos ideais), enfim. Que luta!
Meio dia e quarenta e cinco. Nada de acabar. Estávamos mortos. Não tínhamos mais força alguma. Lutas desse tipo duram no máximo trinta minutos entre profissionais. A nossa já estava em quase uma hora. Que luta!
O chão ficou molhado. Molhado mesmo. O suor. O esforço. A vontade de não cair perante o outro. O corpo deslizando, facilitando a saída dos golpes, prejudicando o encaixe contra o adversário. Que luta!
Dez pra uma da tarde.
Começo a trabalhar a uma em ponto.
Ainda precisava tomar banho, e comer.
Decidimos acabar com a luta.
Damos as mãos.
Elogiamo-nos.
Tínhamos algo em comum. Além dos machucados e das sangrias: gostávamos daquilo tudo.
Todos os outros caras já haviam lutado, contra este gordinho, e perdido. Agora o gordinho encontrara um oponente que não cai. Não se sufoca. Não pede água, mesmo estando morrendo de sede.
Que luta!
Ficamos felizes em saber que somos os mais ' leitão' de todo o quartel.
Agora, com dores no braço esquerdo, um talho fundo no ombro direito e cortes na testa e na nuca, vou pra casa pintar.
Hoje é um dia bom. Lutei e vou pintar.
Queria que tudo se resumisse a isso e mais um pouco.
Que luta!
Ah. Pedi ao meu treinador que tirasse fotos. Claro, só as que eu tivesse em vantagem. Como todo bom publicitário.
Depois mostro.
Vais rir.
Eu era o de calção verde. O gordo, o de amarelo.
QUE LUTA!


(Certa vez, o Trick me mandou isso por e-mail. Apenas ajeitei umas coisinhas.)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

La jóvene

(Patrick desenha bem pra caramba)

Ainda no segundo grau, a jovem não havia se decidido o que fazer de sua vida. Não sabia se dedicava sua vida à área escolar dando aulas para uma gurizada desinteressada - igual aos colegas que não calavam a boca um minuto quando ela queria ouvir o que a professora dizia sobre a semana de arte moderna; ou à área hospitalar zelando a recuperação de crianças com seus machucados geralmente causados por suas traquinagens da idade. Ela não sabia o que decidir. Cada joelho esfolado representava esperança na humanidade. Assim como, cada observação pertinente do tipo: - aquilo ali no quadro é um ‘S’ ou um ‘8’? Sempre seguida de uma resposta cheia de orgulho por ajudar. O conhecimento e o zelo físico. Alguma coisa ela devia transmitir, essa era sua única certeza, tão jovem.

A jovem estudou, estudou, estudou. Armazenou a quantidade suficiente de conhecimento para entrar na faculdade e conseguiu. Não na instituição federal como queria, mas, na privada, ela decidiu estudar as letras da sua língua materna, embora sonhasse com a espanhola, a francesa, a italiana, enfim, todas essas filhinhas da já velha e arcaica língua Itálica. O Latim, pai de todas estas. Sonhava com o Latim.

Seu mergulho na sopa de letrinhas estava um tanto tedioso. Sentia que debater comportamento de uma personagem de um livro parecia ser a mesma coisa que fofocar sobre as saídas noturnas e secretas da vizinha do 302. O que ela tinha a ver com isso?! Que diferença há nas descrições realistas, se havia uma ou duas cadeiras no canto da sala, se o sol entrava por um ângulo de 45 graus. Isso é fofoca. Fofoca vinda do pai da literatura russa. Mas não importa! A jovem sentia que pode usar melhor seu talento oratório e desenvolvimento intrínseco qualitativo.

A jovem começava a repensar numa possível mudança de planos. Por que não um hospital? Através de um amiguinho historiador, conseguiu visitar uma faculdade e conheceu o laboratório de anatomia dela. Corpos, corpos e corpos. Uns sequinhos, outros despedaçados, outros inteiros. A causa mortis variava como as cores de Matisse. A textura da carne era igual àquela que seu pai assava aos domingos. O cheiro de carne crua era um absurdo de parecido com à que ficava escorrendo sangue na pia. Havia alguns órgãos avulsos também sobre as mesas. Até cérebros em baldes, como se fossem panos de pratos de molho na clorofina, estavam por lá. O mais assombroso foi ver aquela gente sem vida lado a lado nas prateleiras. Saber que os corpos estavam lá, tão reais, mas a vida não. Um segundo e a luz se apaga. Tão frágil.

Gente com Aids, gente com peste, gente mutilada e SEGURA, SEGURA, TEM ALGO CAINDO LÁ! Ela lá nem sabia o que era, mas sabia que era um pedaço de alguém que tinha caído enquanto subia as prateleiras do pessoal enfileirado. Tadinha, uma velhinha. A jovem viu uma velhinha. Não completava um dia que ela estava lá. Ontem mesmo se punha sentada na rua da praia, fitava o Guaíba de forma estranha, o vento era o silêncio que a separava das outras pessoas. Havia ela e o rio. E ela sentiu-se bem.

Os bebezinhos estavam durinhos e branquinhos do formol. Nossa, o formol queimava os olhos da jovem. Ardiam mais do que cebola. A vida acabada antes mesmo de começar; ardia o peito da jovem. A imagem daqueles bebês crescendo, correndo com os amiguinhos, indo para escola, para a faculdade, para as festas, para o trabalho, viajar para Portugal com a namorada e rindo felizes cheios de vida. De vida. Toda baboseira que nunca irá acontecer. Não com estes pobres anjos, brancos como as nuvens. Tão puros e intocados como tais.

Saindo do freezer humano, a jovem pôs-se a refletir. Vidas. Trabalhar com vidas. Auxiliando no físico das gentes. Do corpo. Ações repetitivas. Curativos, linhas, agulhas, ataduras, algodão, gazes. RÁPIDO, RÁPIDO, ABRA CAMINHO, ELE TOMOU UM TIRO! Nem sempre a vida pede cuidados tão nobres. A maior parte envolve limpar bunda de velhos, examinar o colo uterino, desintoxicar o tio de alguém, essas coisas.

Mal sabe a jovem o stress que sofrem os homens de branco. O telefone toca, as 02:37 AM:
- Er...alô?
- Alô, Dr. Roubert?
- Sim, é ele...
- Temos uma emergência aqui, e o médico de plantão não foi localizado, o senhor é o próximo da lista...
- Claro, estou indo.

Este “Claro, estou indo” às 02:37 AM tem que ser muito bem pensado antes de acontecer. O Dr. Roubert deve levantar da cama com um brilho sanguinário nos olhos, tem que ser uma fera indo salvar seu filhote e não ir bufando até o carro, blasfemando aos quatro cantos de como é ruim ser acordado no meio da madrugada por algum filho da puta que deve ter bebido demais e batido com o carro do papaizinho, porque queria se mostrar grandinho para seus amiguinhos. Não, Dr. Roubert tem que ser sanguinário no olhar. Tem que querer salvar esse bosta mais do que tudo. E amanha acordar as 05:00 AM pra começar tudo de novo.

Quanto a jovem, queria trabalhar com as idéias. Com o conhecimento. Apostar no ser humano para que ele produza e repercuta o conhecimento, a ciência, a arte, a folia, a alegria. A jovem quer trabalhar com as línguas. Ensiná-las para o que o homem, integre os conhecimentos de outros lugares para o nosso lugar. Ela quer ajudar o ser humano a ser humano. Sacam?

sábado, 1 de dezembro de 2007

Sonho no sofá

O menino agachado no carpete há horas. Não larga seu bonequinho, uma imitação de um soldado de guerra, com extravagâncias vendidas separadamente e uma metralhadora que não se encaixa a mão do tal boneco por ela ser de um outro, um outro muito maior. As crianças já começam por aí a ver o quanto o mundo discrimina. Já vêem que a maioria das merdas não se encaixa desde cedo. Com a bendita arma posta de qualquer jeito, abruptamente socada, quase quebrada, segue a aventura na montanha mais perigosa que a criança já vira: o sofá.
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Hoje quando olho para um sofá, além do enorme buraco, marca de anos de escoro servidos à minha preguiça, vejo só um sofá, ora bolas! Um treco, um móvel, mais uma armação de estofado e tecido pra tirar meu sono. E se eu vejo assim, como posso um dia ter visto uma série de perigos e aventuras me passando por John McGabowski, veterano do Vietnã, que nem consegue segurar a porra da metralhadora direito. Na Rússia, na Segunda Guerra, havia mais combatentes do que metralhadoras. Uma por dupla. O outro segura as balas. O homem sempre dá um jeito. Nosso grau de miopia só tende a aumentar.
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Puta que pariu, ‘evoluir’ é isso? É olhar pra um sofá e ver madeira a prestações, com uma enorme vala de ociosidade enquanto que meu sobrinho, quando vem me visitar, jura de pés juntos que aquilo é a base pára-quedista n° 15 do 3º regimento de pára-quedistas motorizados e salta sem parar os 40 centímetros que afastam o sonho da realidade.
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Com um olho na tv e outro sobre o moleque, nada resta a não ser ficar estagnado, vendo aquele garoto acabando com os tendões que um dia lhe farão tanta falta, caso queira ser um exímio corredor, ou dançarino de passo doble, claro. Era o meu passo doble. Era eu querendo ganhar a São Silvestre. Era eu fodendo com os meus tendões e nem tendo idéia de que porcaria era essa.
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Onde eu fui parar?
Numa situação tediosa. Isso resume essa fase de iniciação da vida adulta. Paramos de sonhar. Fodemos nossos sonhos, sendo que alguns eram bem legais, tinham algum fundamento e possibilidades de realização sem maiores riscos de vida, assim como a conhecemos. Mas, mesmo assim, trocamos os sonhos por estabilidade. Não, por comodidade mesmo. Assim como sentar no sofá e se espreguiçar. Cômodo. Estabelecemos “metas”, “objetivos”. Não sonhos.Trocamos o verde da esperança, pelo verde da bufunfa, do dinheiro sujo! Ser pobre de rico. Ser pobre de rico é o que há. É o que há.
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Num mundo em que ganhar na mega sena mudaria toda a sua vida, você não pode esperar muito dela, já que tem um preço, imutável, a podridão. Tudo o que fica parado por muito tempo acaba por apodrecer. Essa situação tediosa a qual é 'evoluir' nos apodrece a cada dia. A criança não. Ela vive pulando os 40 centímetros da sua base pára-quedista n° 15 do 3º regimento de pára-quedistas motorizados e, assim, os parasitas comedores de sonhos nunca conseguem fixar-se nela.
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Já os gordos de 20 anos, com barba por fazer a mais de 20 dias, e que deixam enormes rombos no sofá, enquanto assistem o dvd pirata do momento, eles realmente não têm anticorpo algum para defender-se. O banquete das parasitas do apodrecimento está aberto! Façam suas apostas!
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Quantos sonhos vamos destruir hoje? Quantos astronautas irão se tornar contadores? E os jogadores de futebol? Advocacia neles! As professoras se tornarão administradoras. As enfermeiras entrarão no mundo da moda. Onde estão os engenheiros desse país? Talvez eu ache alguns no funcionalismo público. Os que não conseguirem, vamos dar-lhes um belo posto de atendente de loja ou vendedor. Isso. Vendedor é a melhor forma de apodrecer essa gente. Tirar o brilho inocente dos olhos deles, e no lugar, por este belíssimo olhar de hiena. Rindo sem vontade. Atrás de dinheiro, já que carne não tem muito valor no mundo de hoje (em partes). Só queremos o dinheiro que está na conta de vocês, mesmo não o tendo. Faça com que corram, derrubem, caiam, matem, por dinheiro! Dinheiro sujo! Ser podre de rico! Ser podre de rico é o que há!
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Contudo, tomem cuidado para que pareça natural e considerem a coisa toda como uma fase natural do processo de amadurecimento do ser humano pertencente a um sistema complexo capitalista que, na verdade, é muito simples e blá, blá, bosta!
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(Enfim, os parasitas riem. Deliciam-se em nossas carnes cansadas, estiradas sobre o sofá, pesando mais em uma parte que outra. Sem força alguma, sem brilho nos olhos, a não ser o de hiena velha fedorenta)
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Tudo isso é de um pessimismo enfadonho. Obviamente não diz respeito à opinião dos autores. Nem mesmo a dos leitores. Pensando bem, nada diz, uma vez que ninguém se importa, logo não há como se sentir culpado. É uma boa linha de pensamento. Não se importar, para não se sentir culpado. Talvez isso resuma, de maneira estranha o texto acima. Não se importar, fingir que não vê, para não sentir a culpa e o remorso de ser um suicida, tirando a própria vida dia após dia. Sacam?